quarta-feira, 18 de maio de 2011

ovovivíparo com laço

Em dia de peixe

Estaline chorou duas vezes segundo Béria

E a chuva acende rosas

Para depois

Por dentro daquele poema que algures ficou

Entre o firmamento e a proximidade do que possa respirar

Ou avistar

Calcinado como um corpo de palavras

Ardendo na casa da cinza

Que a história construiu como a sua sede



A chama regressada dos estendais a sul

Calcorreando aí tranquila

Na lenta forma das pálpebras cerrando-se

Entre duas chapadas de sol correndo a sombra

A formiga estala de cirandar nesse chão como um corpo ligeiro de patas de guindaste

Neandertal microscópico

Nem tudo teria de ser

Dinossauro

Sem estrutura óssea

Ela faz o pleno do ácido fórmico

Tem também utilidade

Como a criatura humana

Que também faz coisas com as mãos

Incluindo esfregá-las de contentamento sinistro

Uma ilimitada passagem do tempo sem cessar

Vai nas patas que parecem sobrevoar as migalhas de solo

Como aliás qualquer cronologia

Sem limites para trás nem para a frente

Parece correr no que elas correm



Assim a alforreca de um outro modo

Invertebrada nas águas boiando

Se alegra de estar

E o silêncio acamado dos séculos

Na obscuridade dos que não puderam falar

Os olhos diante da arma

O coração a trautear um suspiro final

Nem de rosas nem apenas de estalines

Se fazem os dias nem os da nostalgia

Não exactamente os mesmos

Que de trás nos vem mais o que possa ainda

Ser de cristal que a pura máquina da morte



A pior nostalgia

É a do que se não viveu

E estava lá

Naquela circunstância

E o desejo não colheu



Nos cenários da rotina

E em horário nobre

As criaturas remoem decisões frustradas

E tentam pinceladas de riso

Pelas paredes acima

Daquilo de que é feito o que se mastiga

Afinal não há frestas na opacidade do real

E a asfixia

Chega por muitas portas fechadas

Como uma cor única

Mas vem mais daquelas que escancaradas só trazem merda



Manuel Ramos Mora

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