Em dia de peixe
Estaline chorou duas vezes segundo Béria
E a chuva acende rosas
Para depois
Por dentro daquele poema que algures ficou
Entre o firmamento e a proximidade do que possa respirar
Ou avistar
Calcinado como um corpo de palavras
Ardendo na casa da cinza
Que a história construiu como a sua sede
A chama regressada dos estendais a sul
Calcorreando aí tranquila
Na lenta forma das pálpebras cerrando-se
Entre duas chapadas de sol correndo a sombra
A formiga estala de cirandar nesse chão como um corpo ligeiro de patas de guindaste
Neandertal microscópico
Nem tudo teria de ser
Dinossauro
Sem estrutura óssea
Ela faz o pleno do ácido fórmico
Tem também utilidade
Como a criatura humana
Que também faz coisas com as mãos
Incluindo esfregá-las de contentamento sinistro
Uma ilimitada passagem do tempo sem cessar
Vai nas patas que parecem sobrevoar as migalhas de solo
Como aliás qualquer cronologia
Sem limites para trás nem para a frente
Parece correr no que elas correm
Assim a alforreca de um outro modo
Invertebrada nas águas boiando
Se alegra de estar
E o silêncio acamado dos séculos
Na obscuridade dos que não puderam falar
Os olhos diante da arma
O coração a trautear um suspiro final
Nem de rosas nem apenas de estalines
Se fazem os dias nem os da nostalgia
Não exactamente os mesmos
Que de trás nos vem mais o que possa ainda
Ser de cristal que a pura máquina da morte
A pior nostalgia
É a do que se não viveu
E estava lá
Naquela circunstância
E o desejo não colheu
Nos cenários da rotina
E em horário nobre
As criaturas remoem decisões frustradas
E tentam pinceladas de riso
Pelas paredes acima
Daquilo de que é feito o que se mastiga
Afinal não há frestas na opacidade do real
E a asfixia
Chega por muitas portas fechadas
Como uma cor única
Mas vem mais daquelas que escancaradas só trazem merda
Manuel Ramos Mora
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